quinta-feira, 25 de abril de 2013

LIVRO "DEVANEIOS"



LIBERTAÇÃO
              Neumar Monteiro

Caminho liberto,
com o peito aberto,
sem mais lamento.

Sigo este vento.
Não levo tormento,
nem sofrimento.
Só mesmo o unguento
das feridas bem curadas.

Não sou mais nada.
Talvez um pingo
ou um respingo
de saudade.

Não tenho idade.
Não faço alarde.
Alacridade?
Quem sabe a infância! ...

Já sou criança
(sorriso leve,
vontade de passarinhar).
Vou caminhar
até cansar.

Contar estrelas,
dormir no chão...
Dizendo preces
com o coração.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

O NORTE FLUMINENSE - 04-2013



                                     O VESTIDO SUNGADO
                                              NeumarMonteiro  
                                                                                 
                O mundo infelizmente já não comporta a civilidade, pessoas gritam na praça que é um lugar público, nos bares e em tantos outros lugares inadequados para gritos querendo chamar atenção para si; quer aparecer mais de que todos se achando o máximo; no mais das vezes com palavras inadequadas para o ambiente em que está. Antigamente, os colégios não só ensinavam as matérias do currículo como também: -“Moral e Cívica” - que tratava não só da civilidade urbana como as demais maneiras de comportamento no trato social: modo de se vestir, de sentar, de proceder e de conversar mais pausado sem demais alvoroços. Contudo, os alunos queriam brincar de pique, jogar bola ou arrastar os amigos lançando mão de uma corda que puxava os companheiros pelo tronco num laço de cowboy. Incômodos aconteciam: como quebrar um braço no querer desatar, da corda, o nó que prendia o amigo; muitas pernas quebradas ao cair de joelhos; dentes fraturados e uniformes rasgados, coisas de crianças que fragmentavam a amizade e o amor ao próximo. Não sabemos se existe ainda a disciplina supracitada.
                Com o passar do tempo houve uma modificação no trato social, nem  tanto quanto merecemos, nem mais do que esperávamos, algo como uma guerra fria que pode repentinamente tornar-se um faroeste sem armas e gatilhos, porém,  substituídos por pedradas, porretes e bolas de fogo - Taca fogo no vizinho, quebra à cara do inimigo, como um lobo enraivecido querendo matar a presa; merecemos isso!... Pelo holocausto do ensino, pelo desamor desaforado, pelo retrocesso humano, pela inveja dorida, pela fala venenosa como uma língua de cobra peçonhenta. E assim chegamos, neste futuro pendurado no espaço com nossos fracassos, desilusões, choros ou comédias - quaisquer coisas dessas.
               Outro dia, vários garotos uniformizados gritavam pelas ruas atrás de uma pobre mulher por causa do seu vestido sungado na parte traseira. Coitada daquela senhora! Velhinha, já quase sem cabelo e arrastando uma vetusta sandália de borracha que persistia em levá-la até o seu itinerário; e não alcançando o intento, desolada, deixou-a na beira da ponte e seguiu o seu destino com o pé no chão. A corriola de estudantes gritava: saia sungada no fiofó!!! Lá foi a velhinha e ninguém salvou sua dignidade, pelo contrário deram risadas. Vida triste! Mundo sem valor e sem misericórdia!...
             Não sei o que vai acontecer ainda nesta terra soberba que só pensa em dinheiro, malquerença, tirar um sarro e chatear os pobres e oprimidos. Não buscam um terço de reza, nem cantoria em terceto para aliviar a alma... Só pensam nas maldades que se espalham pelos caminhos; no luxo e no concurso do dinheiro que compram as armas, mas não compram o pão; não se preocupam com a desilusão dos pobres andarilhos que andam no fio da corda bamba e não encontram outro espaço para puxar o laço da fraternidade. Olha o sungado da velhinha! Olha o sungado dela!... Assim gritavam, em altos brados, atrás da pobre velhinha, que não sabia de nada e com a cabeça branquinha: Ai, que dor no coração! Ai, decepção da humanidade! Ai, de mim mesmo.
           Minha avó assim dizia: - Este mundo vai piorar com a modernidade! Filho matando a mãe e pai traçando a cachaça... Ficou louco este mundo, amalucado de vez em forno dos condenados, que só visam a ganância e a vastidão dos pecados!

terça-feira, 9 de abril de 2013

O NORTE FLUMINENSE - 10-2007



UMA CANECA DE CAFÉ COADO
                                                                              Neumar Monteiro

                                   O aroma de café torrado, aquele perfume reconfortante que nos enche de satisfação, um sentido de reunião e de aconchego familiar. Toda a casa envolvida nos afazeres domésticos de torrar os grãos do café no fogão a lenha e depois moê-lo no velho moinho da vovó; após, guardá-lo na antiga e descascada lata de biscoito ou num pote grande de vidro adquirido no Empório do Zanon.
                                   Os grãos, comprados e anotados na caderneta do armazém do José Bastos, eram quitados mensalmente junto a outros produtos usados no dia a dia. O café arábica tradicional e o gourmet faziam sucesso nos lares. Beber um cafezinho recém coado amolece o coração; servi-lo quentinho às visitas abranda qualquer conversa e desfaz as tensões que, por acaso, pairam no ambiente. É chique e elegante. Merece destaque que em 1952 foi criado o Instituto brasileiro do Café (IBC), formado por cafeicultores, que definiu as diretrizes da política cafeeira até 1989.
                                   O fogão recebia várias camadas de barro branco para ficar bonito como os donos queriam ou cal virgem misturado com água. Em cima do fogão ficava o ferro de passar carregado com brasas incandescentes, quando ainda não existia o ferro elétrico. Naquele tempo eram escassas as lojas que vendiam roupas prontas, também o dinheiro era difícil, e as camisas, fraldas do bebê e os vestidos eram costurados na máquina Singer tocada à mão. O rádio era a válvula, Philips, Philco, Semp ou Telefunken, os mais comuns, com antena na cumeeira da casa e transmitindo as notícias em meio a previsíveis chiados.
                                   Passear pelas ruas de Bom Jesus era apreciar simultaneamente vários estilos arquitetônicos que iam das residências pequenas e singelas que se espalhavam por toda área urbana e rural do município, ao colonial, enxaimel, neoclássico, art-deco, barroco, rococó e art-nouveau, naquele amálgama que os historiadores denominam ecletismo.  Casas que há muito foram derrubadas para desprazer daqueles que sabiam valorizá-las. Hoje só resta uma pequena amostra daquilo que um dia foi arte e encantamento.
                                   Residências e prédios públicos com acabamento de frisas com desenhos sinuosos; frontões, alpendres, relevos e adereços como guirlandas e desenhos geométricos moldados com gesso e pintados a mão, fora e dentro das casas. Era ainda comum encontrar no interior das residências objetos e documentos que lembravam a terra de origem dos ancestrais: fotografias, cadernos de receitas centenárias, discos de vinil, filmes antigos, livros e objetos de uso domiciliar como gramofone, piano, máquina de costura com gabinete de madeira e relógios de parede. Tudo perdido conforme o esvair do tempo. Pena que nunca tivemos um museu para abrigar essas raridades.
                                   O ontem e o hoje... Como será o amanhã? O muito que perdemos, ganhamos em modernismo. Só o tempo, o eterno divisor de águas, apontará o que realmente foi lucro ou prejuízo.       


terça-feira, 2 de abril de 2013

LIVRO "DEVANEIOS"



VERDADE  NUA
(Ao Dr. Ayrthon Borges Seródio)
                        Neumar Monteiro


Os doutos traçam as leis
os sábios a justiça.
Vem o homem ignaro, rude,
deita por terra as ideias,
joga por chão a virtude.

E segue pregando o mal,
pervertendo os costumes,
olvidando a fé cristã
que tudo iguala e reparte.

A lei universal
de Amor e Igualdade,
esquecida ficou
no púlpito da saudade
e nem o sábio a resgata
nem o douto a redige.