terça-feira, 19 de março de 2013

O NORTE FLUMINENSE 03-2013



                                        O JOGO DO AMOR
                                                                    Neumar Monteiro
                 Quem não amou nesta vida, nesta terra pendurada no espaço? Quem não chorou pelo desencanto, pelo acalanto e pelo desespero da miséria de si mesmo que não consegue amigos e nem a paz? O mundo verdadeiro aconchega a alma estremecida, a família unida e a sabedoria plena do sábio que nos preenchem a alma. É curioso aquele que não gosta de ler, de assistir bons filmes, de cumprimentar o vizinho e de passear na praça. O mundo todo é só um globo azulado, que acolhe nossa palma e nossa indiferença; um viveiro de criaturas que nem sabem para onde vão após o derradeiro dia da passagem para outra vida adormecida no espaço. Talvez, somos os palhaços das estrelas estrelando um filme colorido ou em preto e branco ou uma caravana que passa no filme de nossos sonhos... Quem sabe o que é certo ou incerto nesta terra que carrega as estrelas, o sol e a lua? Seremos nós passageiros da escuridão da noite? Por acaso, um foco de luz para luzir as estrelas? Só Deus sabe o caminho e o desalinho.
                Todas as religiões jogam o jogo do amor para conseguir adeptos - no que estão certas - a religião é a água que abençoa e a fala que soa a paz. Através das mensagens proferidas se renova a vida e a credibilidade do ser ou não ser, e da valentia de citar nomes de santos que trabalharam pela causa do conhecimento e da fé. O jogo do amor cata os pedaços daqueles perdidos que nunca entraram numa igreja e caçoam de quem as segue. Para isso, existem os que clamam para abrir os ouvidos para a propaganda da fé - falar de amor, sinceridade e coração aberto, para aceitar o irmão ‘de mal com a vida’.
                Tantos gostam de cantar em noites estreladas, vozes possantes, instrumentos afinados e um gole de cachaça subtraído do vidro escondido no bolso; tantas serenatas, acordando as madrugadas, chorando no acordeão. Tantas emoções escorrendo dos olhos e transbordando no rosto; tantos amores naquele jardim de flores coloridas, como se fossem cachoeiras de mágicas tecidas. Isto é o jogo do amor: que se flora em flor para encantar os olhos emaciados de aventureiros que passam ébrios de cachaça, mas levando uma rosa em sua camisa encardida.
                 Um aconchego do lar é maior que tudo, ainda mais comendo pipoca com várias mãos atacando o mesmo pote transbordante de amor familiar.  Claro que o cardápio é variado... Com os beijos fugidios dos namorados! Se esta rua fosse minha jogava o jogo do amor, que a noite inteira aplaudisse no céu de Nosso Senhor e contava piadas engraçadas enquanto a coruja espiava com a cabeça arredondada, olhos grandes e bico curto. Talvez esperasse o amado, que estava na torre da igreja com suas asas abertas, já anoso e bigodudo, jogando o bico pra frente para alcançar aves pequenas que pousavam no seu posto. Era somente o amor que afastava tal zelo... a esperança de amor cruzava aves sem medo, umas batendo nas outras com bicos de remelexo; voavam em telhados toscos, também  em ricaços palacetes, voando para o infinito para alcançar outros trechos.
                  O “Jogo do Amor” sempre existiu: seja mulher, homem ou lobisomem; sejam feias, morenas ou louras, africanas ou irlandesas; egípcias, inglesas, brasileiras ou sem tetos... O amor passa primeiro arrendando sentimentos que não escapam a ninguém! Pensando bem: O Jogo do Amor é certo!                              

quarta-feira, 13 de março de 2013

LIVRO "DEVANEIOS"



CANÇÃO  PARA  MARIA
                                           Neumar Monteiro

Ouvi o canto da noite,
senti o cheiro do dia.
Para onde foi Maria
perdida e desconsolada?

Quando se foi, quase nada
restava da outa Maria:
Maria figueira braba,
Maria de muita orgia
que dançava e brigava
como só ela sabia.
Maria das serenatas
estuantes de alegria !

Depois o tempo escoara
no túnel do dia-a-dia.
Maria dos belos sonhos,
sonhando triste vivia.
Para onde foi Maria
perdida e desconsolada?

No cais a brisa soprava
odores da maresia.
Maria, cheia de sonhos,
eternamente dormia
embalada pelas vagas,
sem tristeza ou alegria.
Nunca mais sua risada...
Para onde foi Maria?

domingo, 3 de março de 2013

O NORTE FLUMINENSE - 09-2007


CHOREI LARGADO 
                                                              Neumar Monteiro 

                                   Contemplar, nos dias hoje, a vista panorâmica de Bom Jesus do Itabapoana não é relembrar a mesma cidade que se conhecia na infância: as encostas, os vales e os morros que na época eram ainda desabitados, uma pureza quase impossível de recordar devido o crescimento desordenado e as construções que vemos hoje. A mera ideia de que esse paraíso perdido nos tenha legado tantas paisagens belas, que pudemos apreciar, causa-nos uma espécie de arrebatamento.
                                   Aqui, no ponto em que a melancolia se mistura ao prazer, é que percebemos as descontinuidades que só são perceptíveis para aqueles que conhecem muito bem a sua cidade: o vento que traz a chuva, o sol que prenuncia um verão muito quente e a aragem que leva embora o calor para além do Itabapoana. Do alto do morro do calvário se avista a cidade qual colcha de retalhos com suas calçadas, vielas apertadas, becos sem saída, ruas ajardinadas e o corte molhado do rio que rasga em duas cidades a continuidade do asfalto.
                                   O que procuramos descrever não é a Bom Jesus de ontem, mas as recordações que vemos refletidas, as que observamos e partilhamos em comunidade. É relembrar o antigo calvário tão pequeno de estrutura, porém rico em história, aonde se ia rezar para que caísse chuva nos meses de estio. A procissão saía piedosamente da Igreja Matriz com seus terços, andores e cantorias sacras subindo o morro em marcha compassada. Na maioria das vezes a volta da procissão acontecia debaixo de chuva. Havia ali perto uma velha senhora que cerzia meias e vendia ovos de roça, que tirava um a um de uma cesta envernizada como se joias fossem. Sob o abrigo da sua varanda esperávamos que a chuva parasse.
                                   Atualmente o calvário virou outro calvário, moderno, espaçoso, mas sem sentimento, sem história, sem o afã religioso de outros tempos. Obra moderna, sem demérito de nossa parte, mais longe de tocar as cordas sensíveis do coração. Um monumento turístico, nunca um marco de devoção - engessado às duas estruturas laterais por uma viga de concreto como dois braços imobilizados - impedidos, assim, de abençoar o povo. Pelo menos o espaço interno, encimado pela cúpula ovalada, deveria ficar à vista e não encoberto pela trave de cimento conforme ficou. A descaracterização foi totalmente inoportuna, uma mácula no típico modelo franciscano, com traços tendentes do barroco e sobrevivência, nos arcos, do renascentista.
Só na lembrança permanece a relva dançante sob o  vento; os pés de manacás, araçás, aloés e capins-cidreiras de décadas passadas. Outro tempo engolido pela modernidade, como tudo que acaba deixando um lastro de saudade.